segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Não se engane

Não se queixe, não reclame
Abra a boca e me chame
Não fale alto, se cale
Não me beba, me inale

Pise de leve, descalço
Não empurre, me dê um encalço
Se morder, morda num beijo
Você já tem a faca e o queijo

Mas não maltrate, não se engane
Ouse isso e se dane
Saiba que isso aqui dentro
Se dissipa com o vento

Não se abre com faca, não se arranca
Não se morde, não se tranca
Não se puxa, não se arranha
Não se bate, mas se apanha

Pegue o pincel e pincele
Me contorne a minha pele
E essa sua lágrima que escorre
Enxugue com esponja de tinta
Que é pra ver se você colore
A sua falsa dor faminta.

sábado, 31 de outubro de 2009

- Quero-te porque não posso tê-lo. Se o pudesse não quereria. Quero-te apenas para um completar de alma e todos os teus sentidos direcionados a mim, apenas. Se já tiveste tudo isso pra me oferecer na bandeja, eu a atiraria janela abaixo. Não quero nada de mãos beijadas. Sim, quero as minhas mãos beijadas e os meus pés também, obrigada. Quero-te só porque não podes ou não queres me dar o que quero. Talvez guarde tudo isso para outra. Talvez. Tal avidez de alma. Talvez. Talvez jorre de uma vez. Talvez. Mas isso também desperta um meu masoquismo, não pense que cadencio em lágrimas. Vai, segue esse teu caminho torto, segue, fui eu quem o pus aí. Não penses que foste tu quem escolheu esse nosso caminho, fui eu. Não percebias que eu gostava quando não demonstravas? Nunca demonstraste, e eu gostava. Não é porque era egoísta o que eu sentia, é porque não o era que eu agia assim. E continua não o sendo, portanto siga. Eu gosto, mesmo não me sentindo plena. Mesmo sabendo que minh’alma não é pequena e mesmo assim achando que nada, nada vale a pena.


Sigo, porque também te quero longe assim, minha pequena

Longe de mim não te sinto pena

Se me queres longe assim, eu aqui ficarei

Mas não me guardarei pra ti, oh, não me guardarei

Se faço o que faço é porque tu gostas, pequena

Se rimo assim em linhas tortas é porque não gostas de poema

E sei que gostas quando faço tudo que não gostas

Por isso te gosto

Meu peito só assim palpita

Te quero assim, minha pepita

Sabemos que temos um ao outro e continuamos a não nos querer,

Ou será que queremos tanto que não seria bastante o ter?

Não fique aflita

Isso é bom, acredita.



E vivem os dois no seu amor “não egoísta”, que não há ninguém que não duvide que exista, rangendo dentes e cheirando a preguiça.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Não é meu

Não era meu aquele tremor, nem aquela alegria que por ora dá vontade de prometer o que pensa que se pode cumprir. Nem é minha a raiva de desejar sumir. Pensei que era minha aquela bondade, aquela vontade que me deixava inerte. Não me pertence aquele sorriso, nem aquelas longas lágrimas. Aquelas horas não eram minhas, nem aqueles gestos e pensamentos. Tudo que me permeava não era meu. Aqueles braços, abraços. Não era minha a disritmia do meu próprio peito. Sabe-se lá de quem são essas coisas. Elas desaparecem e a gente nunca sabe quando voltam. Se vão embora sem se despedir, se não voltam quando a gente pede, se a gente manda embora e elas não vão, se a gente quer de volta e elas não vêm, se não posso tangê-las, raptá-las, controlá-las, não são minhas essas minhas coisas. E essas mesmas coisas que também não são do outro, como posso querer que sejam minhas, pois?

domingo, 19 de abril de 2009

Estou

Eu devo estar aí
Nessa paisagem que te some
Nesse beco que te esconde
Nessa rua sem nome
No tempo que te consome
Nessa fresta de luz que te aparece
No pensamento que te esquece
Na pálpebra que te escurece
Na zomba que te enrubesce.

terça-feira, 31 de março de 2009

Vermelho-coração.

Eu não vou mais gritar, esses meus ouvidos não me ouvem. Esses sorrisos que me chegam são longos e a barra do dia sempre me diz que talvez nem tenha sido importante o sonho da noite, mas o sonho de todos os dias precisa ir além; que o pé nem sempre precisa estar todo no chão; que a coragem nem precisa ser exorbitante, mas a cara tem que estar junto dela; que o gosto acre na boca e o asco que dá de você mesmo nunca vão me deixar a sós; que até o espelho que já não agüenta mais aquele olho baixo de revés e um cabelo que sente nunca está ajeitado podem me desamparar. Mas não é novela, não é filme de romance e agindo como se fôssemos uns personages-marionetes-imbecis nos subornamos disfarçados de nós mesmos. Curvas bruscas no meio de um caminho de flores. E o vermelho da flor, que também é do morango e do sangue, como também é da vida e também da morte se confunde. São estes traiçoeiros tambéns que desmistifica certezas. Mas um coração que pulsa vermelho talvez tenha a resposta, ou não, pra todos esses terrores e todo esse embaçado de cores.

Cantata

Barulho de chuva, respiração perto, aragem que se aninha entre as faces, barba e franja nos rostos, sombras e sussurros e sorrisos e cheiros e perfume de pele, mão que tateia, sobe e desce de nenhum som, vai e volta de nada. Paira tudo e alguma coisa mais, turbilham pensamentos, pele que não é casaco, envolve e não é lençol. Gosto de café e de beijo. Beijo da noite, madrugada e manhã. E não há o que procurar e o que entender. A fumarada do tabaco que leve qualquer espécime de incerteza e medo. As paredes, o teto e o escuro que desgastem o sorriso tímido e o excessivo pudor. Que a boca não pergunte se deve, que o coração não acerte se é paixão de “borboletas no estômago”, que o acaso tome conta e que ninguém saiba, só eu ou só nós, ou ninguém. É como falar de um duo para si e não existir palavra que conceitue esse falar. Se pra um é como borboletearem suas vísceras, pra outro talvez seja como zabumbarem o seu peito, e sua boca se encher de sorrisos parvos e seu corpo desmanchar-se em gestos tímidos.

(Domingo, 01 de março de 2009 15:30)

É...

É como uma cadência de samba, uma cena em câmera lenta, um sorvete que se toma num sol quente, um sorriso arregalado sem mão pra tapar. É estar contente com o azul do céu, brincar de poesia sem escrever, é pular de alegria sem ter por que, é xaxar sem ser Maria Bonita, é brincar de boneca sem ser criança, sem ser maricas, é voar com as asas dos pés, é comer pipoca em fim de tarde de domingo, é menino sambudo mexendo em areia, é sorriso de neném quando vê pisca-pisca no natal, é tomar a goles um refresco gelado, é dá um longo suspiro depois de correr desesperado, é gargalhar depois de ter chorado, é um adeus brincando pra quem ta do seu lado, é uma perna agoniada pra um maço de cigarro, é uma cama com molas pra quem tá cansado, é um ombro de afago pra quem quer chorar, é um lenço de papel pra quem quer fazer avião, é um livro pruma insônia, um batente pra um tropeção, uma visita batendo no portão, um presente no correio, uma carta de quem se gosta, uma passagem pra viajar, é um vento pra quem tem calor, é um beijo pra que tem amor, é um sim pra quem mais diz não.